Amada: A história dos que se perderam porque ninguém os procurou
- Maria Eduarda Mesquita
- 13 de fev. de 2023
- 2 min de leitura

Pintura de Wilson Tibério. fonte: Portal Geledés
Desmemoriada e inexplicada, ela não pode se perder porque ninguém]em esta procurando por ela. - Toni Morrison .
Toni Morrison foi uma escritora, professora e editora norte-americana que nasceu em 1931. Morrison ficou conhecida pricipalmente por uma literatura que deu voz aos esquecidos, se tornando uma das principais referências enquanto voz do povo negro, e mais que isso, das mulheres negras. Por seu. trabalho, recebeu o Prêmio Pulitzer de ficção em 1988 e o Nobel de Literatura em 1993 - sendo a primeira mulher negra a receber o prêmio.
Amada é um dos seus livros mais famosos, juntamente com O Olho mais Azul, e é ambientado em 1873, logo após a abolição. A historia é voltada para três mulheres: Baby Sugs, Sethe e Denver, três gerações de uma mesma família. Não é um livro sobre escravidão, como outros que li. Não é um livro de historiadores que escrevem livros didáticos (em sua maioria homens brancos). É um livro de uma mulher negra, que herdou a memória coletiva do sofrimento de um povo em sua pele, que narra o interior de mulheres negras escravizadas. É um livro para procurar os que se perderam e ouvir sua história.
A narrativa é difícil. Não só pelo tema, com inúmeros gatilhos de violência, abuso, racismo e doenças mentais. A narrativa em si é difícil de acompanhar: começa de forma abrupta, sem apresentações, sem contexto, sem transição que explique as idas e vindas no tempo. Uma cronologia difícil de acompanhar, um caleidoscópio de memórias foras de ordem. Mas não é pra ser um livro fácil. O sofrimento de um povo não é pra ser entregue de forma simples, organizada e pronta para ser digerida. O sofrimento é indigesto. Ser arrancado de sua casa, vendido, ver seus filhos sendo vendidos e levados, ser transportado de um local para outro como objeto sem vínculos não é uma forma linear e cronológica e simples de viver a vida. Então o livro é difícil, porque não havia como não ser.
Eu sempre gostei de livros de história. Sempre tive o desejo de entender o mundo. Mas Amada é um daqueles livros que me fez ver que não se entende o mundo quando se escuta a história contada por um outro. A história de um povo precisa ser contada por seu próprio povo. Eu aprendi mais em Amada do que em todos os livros didáticos que li, porque Amada se sente, se vive, se sofre. Amada não é uma coletânea de fatos e datas: é o interior de alguém. E por isso mesmo, reforço o #leiamulheresnegras.
Ao escrever sobre isso, pensei no conceito de lugar de fala, bem explicado no livro de Djamila Ribeiro. Não é sobre não falar. É sobre saber de onde e para quem se fala. Eu falo do ponto de uma mulher branca, e falo para outros que não nasceram com a pele marcada por essa história, que não foram criados sobre a sombra desse sofrimento geracional. Todos temos o dever de aprender, mas nenhuma pessoa tem o dever de nos ensinar. Então em vez de perguntar, ouça. Ouça a voz de um povo que não o seu. Ouça a voz de quem viveu o que você não vive. Ouça Toni Morrison. Ouça os que se perderam, procure-os.


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