top of page
Buscar

A absoluta incerteza do cuidar

  • Foto do escritor: Maria Eduarda Mesquita
    Maria Eduarda Mesquita
  • 5 de fev. de 2023
  • 2 min de leitura



A medicina é uma ciência de probabilidades, e tal como qualquer coisa que não seja absoluta, é regada a incertezas. Ou talvez, seja sim absoluta: absolutamente incerta.


O que teria acontecido se eu tivesse feito um antibiótico mais forte logo de cara? Será que teria evitado aquela internação na UTI?


O que aconteceria se não tivéssemos optado juntos por indicar a cirurgia daquele paciente? Será que ele já não estaria melhor, em casa?


E se eu tivesse pensado nisso antes? Será que teria evitado aquele desfecho ruim? Será que teria abreviado a internação da paciente se tivesse me dado conta do que estava realmente acontecendo mais cedo?


As perguntas não param de vir, e poderia preencher páginas e mais páginas com indagações. Se pensar em cada micro decisão tomada, desistiria da profissão, aceitando a minha pequenez diante da complexidade da vida. E nessas horas, sempre volto ao livro da minha vida, As Crônicas de Nárnia.

Dizer o que teria acontecido? Não, a ninguém jamais se diz isso. Mas todos podem descobrir o que vai acontecer. - Aslam, em As Crônicas de Nárnia (C. S. Lewis)

Talvez, mesmo se tivesse usado outro antibiótico, ou se não tivesse sido operado, ou se tivesse pensado imediatamente no diagnóstico, estaríamos aqui, no mesmo lugar, pensando o que poderíamos ter feito de diferente. Ou talvez não. E nunca vamos saber.


E para nós, seres que sempre questionam a linearidade e irreversibilidade do tempo, é difícil trabalhar com incertezas. Como digo aos pacientes "na medicina nem sempre nem nunca. Se eu te prometer 100% de qualquer coisa, estarei mentindo". Alguns dias são mais difíceis que outros. Quando o tudo acontece sem intercorrências, levando a bons desfechos, levando a conforto e paz, é fácil esquecer o quão imprevisível é a saude, e apenas comemorar os acertos. Mas em alguns dias, é mais difícil.


Em dias como esses, só me lembro que a ninguém será dito o que poderia ter acontecido. Em dias como hoje, só posso lembrar do que vai acontecer: eu vou estudar mais, eu vou aprender mais, eu vou doar sempre tudo de mim que tiver para doar. Em dias como esses, eu só aceito as limitações do ser humano, e prometo a mim mesma que farei o melhor que puder.


No fim das contas, isso é a única coisa que podemos garantir: dar o melhor de nós, seja esse melhor pouco ou muito. Como na bíblia, a maior oferta não é a mais cara, mas a da viuva, que entregou a única moeda que tinha a Deus. Hoje, não sei se meu conhecimento, trabalho e serviço são tão grandes assim. Mas sei que tudo que tenho, eu darei. Essa será sempre a melhor oferta.


PS. Hoje, meu querido leitor desconhecido, me faltou qualquer representação visual boa o suficiente para essa crônica com um que de dor. Então fique com uma imagem desconexa, mas que traga a paz que faltou a esse texto. Ou você pode fingir que foi duplo planejado, remetendo a incerteza que reside nas profundezas do oceano e a inconstância das marés.


 
 
 

Comments


bottom of page