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Carta a uma pequena paciente

  • Foto do escritor: Maria Eduarda Mesquita
    Maria Eduarda Mesquita
  • 18 de mai. de 2023
  • 3 min de leitura



Minha pequena paciente,

Ao primeiro olhar, você parecia extremamente frágil. Menos de 3 quilos, a menor das gemelares, prematura. Ver você se esforçando para respirar, usando cada gota de energia do seu pequeno corpinho pra se manter respirando apesar da infecção, dava um aperto no nosso coração. Síndrome da Angústia Respiratória Aguda é um dos termos médicos que pode ser usado para descrever sua condição, e eu nunca pensei tanto na palavra “Angústia" como durante aquelas longas horas ao seu lado. Sofremos, angustiados com a sua angústia por ar.


Eu conversei com outros plantonistas, eu conversei com o SAMU, conversei com amigos de perto e de longe. Todos fomos envolvidos no seu cuidado, todos se esforçando para usar todos os conhecimentos e recursos disponíveis para te ajudar. Quando penso que você precisou de vários dias de internação, agravando na UPA, aguardando por uma vaga nos hospitais pediátricos em colapso, penso que o Sistema falhou com você, como falhou com outras crianças aguardando a tão sonhada vaga, enquanto partilhávamos um pouco da sua angústia.


Pequena, mais do que decidir te entubar, dizer para a sua mãe que faríamos isso foi a coisa mais difícil que já fiz como médica. Segurar você nos braços enquanto te dávamos oxigênio era ver um paradoxo de força e fragilidade, como você, mesmo tão pequena, aguentou tanto? Sua força e fragilidade moveu nosso coração, e vimos todos os setores envolvidos com seu cuidado, todos se esforçando para prover todo o possível para você.

Em certos momentos, tudo que podíamos fazer era zelar, olhando para você respirar, olhando ansiosamente o monitor e os parâmetros do ventilador. Quando tudo que é possível é feito, só nos resta rezar, ou desejar em silêncio que tudo fique bem, de acordo com as crenças do nosso coração.


Pequena, eu tenho certeza que fiz o melhor que pude por você, e certeza que todos que passaram pela UPA durante sua internação fizeram o mesmo. Fizemos hora extra, fizemos incessantes ligações, incontáveis buscas na literatura e perguntas para amigos, buscando qualquer ideia que pudesse te ajudar. Mesmo assim, eu sinto que não foi o suficiente. Que você merecia um cuidado melhor do que conseguimos te dar, que você merecia uma médica mais capacitada do que eu. Racionalmente, sei que a sua passagem pela UPA não deveria durar mais que poucas horas antes de ser transferida para um lugar com suporte material e de profissionais adequados para a gravidade do seu caso, e que fizemos o possível. Mas não canso de pensar no que poderia ter feito melhor, sentindo certa culpa, mesmo sabendo que “a ninguém jamais será dito o que poderia ter acontecido”.

Hoje, depois de alguns dias de luta, você finalmente foi transferida para o hospital pediátrico, na mesma manhã em que sua irmã teve alta. Não tenho mais notícias suas, e não sei se saberei sobre seu futuro. Mas quero te dizer, pequena, que eu sigo rezando por você. Quero te dizer que, caso você não tenha recebido tudo que precisava, nos perdoe, sabendo que demos tudo que conseguimos a você. E por fim, repito o que sempre digo a mim mesma nessas horas: não posso mudar o passado, mas posso ser melhor no futuro. E por vários motivos, e agora mais um, por você, eu continuarei estudando, eu continuarei melhorando, para ser melhor para os próximos pequenos e grandes que passarem por minhas mãos.

Fica bem, pequena,

 
 
 

1 Comment


João Bastos
João Bastos
May 13, 2024

É assim que aprendemos a melhorarmos a nós mesmos! Diante de desafios, somos lembrados da nossa condição de Ser em potencial. E o que importa é se imprimimos Vontade para isso!

Nos sentimentos que expressou em palavras, sua vontade é imensa!

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