O vazio no leito 08, a presença além dele

Minha querida paciente,

Estranho pensar que você, que por meses foi a primeira pessoa que eu visitei nas manhãs de enfermaria, não estará mais lá. Você partiu, descansou, ou, sem metáforas: morreu. Antes de partir, você agradeceu a mim e a tantos outros por cuidarem bem de você. E eu, que sempre dependi da palavra escrita para me expressar, te agradeço agora.

Você me ensinou sobre um cuidado que vai além do paciente, mas se extende para família. As notícias difíceis não eram tão difíceis com você. Você tinha muito mais clareza do que qualquer um de nós, uma tranquilidade sorridente de quem aceitava sua vida. E desse modo, você nos ensinou que aceitação não é cruzar os braços. Sua aceitação incluía uma esperança sincera, uma vontade de melhorar, mudar, experimentar. Sua aceitação era também desejo de viver. E justamente porque queria viver, você aceitava a doença, para não viver lutando contra uma morte que chegará para todos nós.

Como eu sempre digo, paliação é sobre viver. E foi assim que juntas, aprendemos que a vida nunca mais seria como antes, mas que mesmo assim, poderia ser boa. Comemoramos com toda a equipe no dia que você teve a coragem de sair da cama e sentar na cadeira de rodas, rindo e tirando fotos enquanto você passeava pelo hospital.

Mas nem todos tinham sua clareza. E eu me lembro de todas as reuniões com seus filhos, conversas com a assistente social, ligações para planejar um cuidado que no fim, era sempre decidido por você. E você me trouxe a certeza de que todo esse dialogo não elimina o sofrimento de não ter você fisicamente aqui, mas traz a paz da missão cumprida. A paz na sua família, que sabe que fez tudo que podia, que cuidou de você o melhor que pode, do jeito que você queria ser cuidada. A paz advinda de uma morte tranquila, sem dor, sem sofrimento, apenas um cochilo do qual você não mais acordou.

Minha querida paciente, obrigada por todos os sorrisos, pelo carinho, pelo aprendizado. Paliação é sobre viver, e eu amo viver aprendendo com vocês, nesses momentos tão intensos da alma. O privilégio de cuidar e aprender com você e sua família é meu. Você me ajudou a descobrir o meu caminho enquanto eu segurava sua mão enquanto você seguia o seu. Agora, acho que encontrei meu lugar na medicina.

No fim das contas, só queria dizer que ao chegar no hospital, senti saudade, e senti o vazio no leito 08. Mas ao mesmo tempo, senti sua presença. Por isso eu detesto a expressão "perder". Não perdemos ninguém, assim como eu não te perdi. Você apenas está presente de outra maneira, em outro lugar. Além.