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Sobre tornar realidade o termo "Diversidade, Equidade e Inclusão"

  • Foto do escritor: Maria Eduarda Mesquita
    Maria Eduarda Mesquita
  • 2 de ago.
  • 4 min de leitura
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Nos últimos anos, cresceu a discussão sobre políticas e práticas de "DEI" - Diversidade, Equidade e Inclusão - na educação e também no mundo corporativo. A melhor definição de DEI eu ouvi em um congresso (o CIIPES, fica ai a recomendação do evento):


"Diversidade é chamar para festa, inclusão é convidar para dançar. Equidade é garantir que todos terão condições de participar da dança, pertencimento é quando você participa da organização da festa, porque você de fato faz parte do grupo."

Nessa semana, eu vivi pequenas grandes experiências que me mostraram a prática de DEI que nasce do coração. Ontem uma amiga da turma falou que não poderia ir pra aula porque não tinha com quem deixar o filho dela. Mas acabou indo mesmo assim, junto com o filho de 9 anos, sem que sequer fosse pensado que isso era um problema. E poder levar o filho pra sala de aula junto com você é inclusão e sensibilidade, é prática de equidade ao "garantir que ela poderia participar da festa".


Minha amiga é uma pessoa surda que usa aparelho auditivo e se apoia bastante em leitura labial, e por isso precisa sentar na primeira cadeira e estar olhando para o rosto do professor a todo tempo - algo bastante difícil pra quem estava com uma criança (por mais que essa criança fosse um anjo bem comportado). Durante a tarde, eu chamei o filho dela pra ficar sentado junto comigo. Autista também, facilmente fizemos amizade, de uma forma que eu expliquei pra mãe "nós falamos o mesmo idioma, nós naturalmente nos comunicamos na mesma língua, e por isso é tão fácil" - o empírico encontrando o científico, pois já li em artigos "autistas se comunicam de maneira altamente efetiva com outros autistas".


Naquela tarde, baixei alguns livros que ele leu numa velocidade impressionante para seus 9 anos - e me lembrei de mim mesma e minha mãe falando que não dava conta de comprar livros para acompanhar a velocidade que eu os lia, e eu sorri de maneira nostálgica . Comecei a ensiná-lo a resolver cubo mágico. Pra mim, hiperativa e que costumo acompanhar a aula sem olhar para a professora, foi tranquilo e prazeroso ficar com ele ao meu lado e minha amiga conseguiu acompanhar a aula. Depois ela me contou sobre como o kindle dele tinha um pequeno dano no canto de mordida, e eu conversei com ele sobre como eu também sinto vontade de morder meus lábios as vezes e como nós dois podíamos lidar melhor com isso - e foi uma conversa totalmente diferente das outras que ele teve, pois, como falei antes meu querido leitor desconhecido, eu e ele falamos o mesmo idioma. E eu vi como ele ficou feliz junto comigo e falando que eu era autista igual a ele! E que eu também gostava de ler e desenhar!


Estou iniciando agora um trabalho que com certeza renderá muitas crônicas por aqui, meus queridos leitoras desconhecidos - ser preceptora e professora, mergulhando ainda mais no meu sonho da docência. E logo que a notícia da minha entrada começou a circular entre os alunos, recebi uma mensagem que muito me emocionou, de uma estudante autista que descreveu como "êxtase" a sensação de ver uma professora de medicina abertamente autista, da felicidade de ver "alguém como ela" nessa posição e de como só essa notícia, antes mesmo do primeiro contato comigo, já foi motivador pra ela. Mais uma vez, o empirismo encontra a ciência, que fala que a presença de "role models" autistas (a melhor tradução seria "exemplo", talvez) é um fator motivador, gerando uma sensação de suporte e confiança e reduzindo sentimentos de vergonha.


Pra mim, é uma honra e uma responsabilidade saber que eu estou me tornando - talvez na verdade já seja - esse role model, esse exemplo. Saber que o meu pequeno amigo conhece alguém "como ele" que consegue ajudar nas questões sensoriais porque também sente o mundo como ele. Mesmo entre autistas tão diferentes entre si, afinal, um espectro, e de diferentes níveis de suporte, existe algo que nos aproxima - não estou falando dos critérios diagnósticos do DSM, essa é uma crônica, me deixem voar sem tecnicismos, queridos leitores - o modo autista de se comunicar e sentir, tão doloroso as vezes, também nos une, e existe consolo em saber que não estamos sozinhos.


É uma honra e uma responsabilidade saber que alguns pequenos pacientes para quem mostro meu cordão de quebra cabeça, alguns alunos, seus familiares e tantos outros vão olhar pra mim e pensar que autista pode sim ser a criança que não fala, mas autista também pode ser professora de medicina e coordenadora do pronto atendimento. E pra ser sincera, é principalmente, uma alegria pra mim saber que eu estou ajudando a plantar sementes para que outros descansem na sombra depois de mim. Espero que com meu trabalho, eu possa pertencer e organizar a festa para que todos sejam convidados e possam participar dessa dança, ao seu modo. Talvez alguns prefiram ficar em casa, outros olhar ao redor sem dançar e outros queiram usar fones de cancelamento de ruído. E tudo bem.


O importante é que todos saibam que pertencem a este mundo, que tantas vezes parece que não foi feito para nós. Ainda bem que eu gosto das artes: estou disposta a desenhar o mundo de forma que possamos verdadeiramente pertencer, buscando um horizonte que nunca irei alcançar, mas viver é sobre caminhar em sua direção.


PS. Se alguém ficou interessado, segue as referências dos artigos que comentam sobre role models autistas:


SHAW, S. C. K. et al. Autistic role modelling in medical education. Education for primary care: an official publication of the Association of Course Organisers, National Association of GP Tutors, World Organisation of Family Doctors, v. 33, n. 2, p. 128–129, mar. 2022a.


SHAW, S. C. K.; DOHERTY, M.; ANDERSON, J. L. The experiences of autistic medical students: A phenomenological study. Medical education, v. 57, n. 10, p. 971–979, out. 2023.

1 comentário


tatiana.coutinho2304
03 de ago.

Me alegra muito saber que encontramos uma pessoa maravilhosa, sensível e carinhosa como você, Duda! Tenha certeza de que o mundo precisa mais de pessoas como você! Obrigada por descrever tão bem o que vivenciamos 💙

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