Sobre ultrassom, superdotação e frustrações
- Maria Eduarda Mesquita
- 3 de mar. de 2024
- 2 min de leitura

Meu querido leitor desconhecido, essa semana eu comprei um ultrassom super portátil (famoso butterfly) e ontem levei pro plantão pela primeira vez. O primeiro uso que fiz dele foi tentar avaliar um derrame pleural, que resultou em imagens ruins que eu não conseguia interpretar, e que tive até vergonha de mostrar pros colegas. Primeiro pensamento foi: sério mesmo que depois de fazer um curso excelente em dezembro o melhor que eu consegui foi isso? De que importa ter um usg se eu não consigo usar?
Nesse dia também avaliei um paciente com infarto, e fiquei um pouco mais animada de ter conseguido ver a disfunção de contração no ventrículo. E depois a colega da pediatria veio me perguntar se eu não podia avaliar o abdome de um bebê com suspeita de Estenose Hipertrofica de Piloro. É claro que eu, com meu curso de POCUS e no primeiro dia usando o usg, não fazia ideia de como fazer isso. Mas depois de algumas pesquisas no Google, tentei, gravei o vídeo, medi a muscular do piloro e enviei pra um colega pediatra que confirmou que estava correto. Logo em seguida aceitaram a transferência da criança. Me deram parabéns pelo usg da criança e eu pensei: foi sorte, estava super fácil localizar o piloro. E lembrei da frase “porque quando dá certo é sorte, e quando dá errado é porque você é ruim?”.
Agora entramos no terceiro ponto dessa crônica: A superdotação/altas habilidades (AH/SD) A vida toda eu ouvi que eu aprendia rápido demais em algumas esferas, que meu desempenho acadêmico era acima da média e etc. E qual o grande ponto aqui? Juro que sem falsa modéstia, meu querido leitor, eu nunca estive satisfeita com meu desempenho. Nunca precisei de cobrança externa, como pais falando pra eu estudar mais. Na verdade, era o oposto: meus pais dizendo que tudo bem tirar um 8 e que eu precisava descansar. Ninguém nunca me cobrou mais do que eu mesmo me cobro.
AH/SD não é ter resultados perfeitos, mas um padrão de aprendizagem diferente. Não é sobre quantas medalhas você ganha, mas o ritmo que você corre. Muitas pessoas sem superdotação podem ter resultados melhores inclusive. Aparentemente, é só alegria e facilidades, mas na verdade, vem com uma carga de ansiedade, auto cobrança e frustração enorme.
Racionalmente, eu sei que preciso me dar o tempo de aprender. Na prática, estou até agora frustrada por aquele pulmão. Os erros parecem sempre gritantes perto dos pequenos acertos. É como quando dizem que eu pinto incrivelmente, e eu discordo, mas na verdade estou me comparando com os grandes gênios da arte. Descobri que esse é um dos padrões cognitivos da AH/SD: você nunca está satisfeito.
E agora? Agora estou aprendendo a ser gentil comigo mesma, como sou com os alunos e colegas que amo ensinar. O processo de reconhecer que eu tenho uma autocobrança excessiva é o que leva a me perdoar por ter dúvidas e dificuldades. É processo, jornada, e não linha de chegada.



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