Você vai dormir, e a falta de ar vai passar...
- Maria Eduarda Mesquita
- 26 de nov. de 2022
- 3 min de leitura

Eu não posso dizer que passei pelo que você passou. Mas mesmo quando são situações diferentes, o ser humano não é tão diferente assim. Eu lembro de sentir meu tórax pegando fogo e a dor. Ninguém fala nos livros sobre o quanto uma dispneia severa dói. Eu lembro de ouvir as pessoas falando que eu precisava ficar acordada, mas eu só pensava em dormir, em mergulhar na escuridão que já tinha tomado minha vista para deixar de sentir desconforto. Eu lembro que já não conseguia falar nem ouvir os olhos, mas ouvi a médica falar que eu se eu não respondesse iam ter que entubar. Eu respondi, Você, não. Mas eu não esqueço do medo que eu senti. E não esqueço que os medos dos outros podem ser diferentes dos meus.
Os livros falam sobra a agitação que a falta de ar causa. Os livros não falam sobre o momento em que te disse "Eu sei, você está assustada, mas eu estou aqui, e não vou sair do seu lado. Quer segurar minha mão?", E você se acalmou. Uma preceptora já me disse uma vez que as vezes palavras de conforto são o melhor sedativo. As pessoas falam sobre a angústia dos profissionais que se estiveram na linha de frente, os estudos falam sobre a exaustão emocional deles. Mas ver uma filha se despedir chorando antes que você leve aquela pessoa para UTI, sabendo que ela não poderá receber visitas... Ver uma filha dizer "Pode me dar só um minuto? Queria dizer que a amo" é algo que não se explica.
O que todos sabemos, mas os livros não falam, é que eu também estava com medo. Nós também voltamos para casa nos perguntando se esse ou aquele paciente vai ficar bem. Nós também nos perguntamos se foi a decisão certa, se algo poderia ter sido feito pra evitar, se dava para fazer melhor. O que eu aprendi é a entender que sempre dá pra fazer melhor - na próxima. Sempre dá para aprender mais, descobrir novas coisas, adquirir novas habilidades - para a próxima. O passado não existe mais.
Antes de te entubar, fiz carinho na sua cabeça, conversei com você e olhei nos seus olhos até que os sedativos fizessem efeito. Antes da sedação fazer efeito, você olhou para o tubo em minha mão assustada. "Dona fulana, estamos cuidando de você. Vou fazer um remédio, você vai dormir, e um aparelho vai te ajudar a respirar. Você vai dormir, e a falta de ar vai embora". Você assentiu levemente, e eu enxerguei alívio em seus olhos. E eu lembrei de mim mesma, alguns anos atrás, antes mesmo do COVID, e te entendi. Dormir faria passar a dor, o desconforto, a angustia de não conseguir respirar.
E poucos dias depois, eu fiz uma prece silenciosa, agradecendo, depois de conversar com você novamente. Depois de te ver fora do respirador, respirando tranquila. Depois de segurar sua mão novamente, dessa vez sem angústia, sem medo. E sai do hospital mais feliz, sabendo que você ia dormir sem sedativos, sem falta de ar.
Talvez esse não seja o fim de todas as histórias, eu reconheço, mesmo sendo grata em ver essa caminhando para uma boa recuperação. Mas que, mesmo sem controlar os fins, meu agir seja repleto de bons meios. Que meus meios aliviem sofrimento, abracem pessoas, cuidem de gente. Que meus meios sempre passem pelo melhor da ciência e o mais profundo do ser humano. E os fins... Bem, os fins, a vida dirá.



Ai, amiga! me emocionei. você é especial. Saiba disso